7.12.05

 

Relembrando Eça de Queiroz

O Estado ( Actual ) da Nação Portuguesa !

« O país perdeu a inteligência e a consciência moral.

Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada, os caracteres corrompidos.

A prática da vida tem por única direcção a conveniência.

Não há princípio que não seja desmentido.

Não há instituição que não seja escarnecida.

Ninguém se respeita.

Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos.

Ninguém crê na honestidade dos homens públicos.

Alguns agiotas, felizes, exploram.

A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia.

O povo está na miséria.

Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente.

O Estado é considerado, na sua acção fiscal, como um ladrão e tratado como um inimigo.

A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências.

Diz-se por toda a parte : o país está perdido ! »

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Texto de Eça de Queiroz, escrito em 1871, inserto no número 1 d'As Farpas.
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Comentário ao correr da pena :

Muitas vezes, ao longo dos últimos anos, tenho lido e relido este pequeno texto do Eça, de uma pungência e de uma mestria exemplares, tanto mais, se atentarmos no ano em que foi publicado, 1871, tinha ele somente 26 anos incompletos, irrequietos de imaginação e de fulgor.

Há quem acuse o Eça de ter sido extremamente crítico numa fase da sua vida, a da sua mocidade, quando pertencia ao Cenáculo de Antero, Oliveira Martins, Batalha Reis e outros jovens intelectuais, avant la lettre, quando, vindos de Coimbra (Antero e Eça), queriam fustigar a retrógrada sociedade portuguesa da época, para fazê-la sair da letargia em que se achava, já então a perder o comboio da industrialização e da modernidade europeias.

Datam desse período muitos textos brilhantes de inventividade, de oportunidade, de crítica acerba, plasmados num português excelso, de grande finura, de apurada sensibilidade, de gosto selecto, que ainda hoje não encontrou igual, apesar do mimetismo que tem gerado.

De uma forma quase imperceptível, ficamos como que enfeitiçados com o seu estilo elegante, fluente, de um mestre acabado da Língua, muito cedo afirmado nessa reputação.

Alguns maldosos ou invejosos acusavam-no de francesismo, pelas suas preferências literárias, absolutamente naturais, se nos lembrarmos que a França e, em particular, Paris eram, então, o centro do Mundo, pelo menos artístico.

Apesar disso, ainda ele criticou o excessivo culto e a exagerada influência do francesismo na sociedade portuguesa, não só artística, como nos seus demais sectores. Mais de 100 anos passados sobre a sua morte, ocorrida a 16 de Agosto de 1900, em Paris, a ele continuamente voltamos encontrando sempre, nos seus textos, um encanto nunca esgotado, uma novidade e uma frescura surpreendentemente renovadas.

Conheço pessoas, grandes apreciadoras de Eça, que, não sendo literatas, nem com formação em Letras, confessam nunca adormecer, sem ler uma página, ao menos, da sua vasta prosa encantatória.

A crónica acima transcrita circula pelos circuitos do correio electrónico com frequência e muito justificadamente, tal é a sua contundência crítica e de tal forma se lhe reconhece oportunidade.

Pode mesmo perguntar-se :

Em que é que este famoso escrito do então jovem Eça perdeu actualidade ? Onde e como ? A diferença hoje encontrada é radical ou reside apenas na gradação do mal observado, no grau de apodrecimento da conjuntura vivida ?

Quem é/são, agora, o(s) responsável(eis) da situação verberada :

a Monarquia, a Igreja, a Inquisição, o Clericalismo, a República, o Jacobinismo, o anti-Clericalismo, o Laicismo, a Ditadura, o Estado Novo, o Salazar, o Salazarismo, o Caetano, o Salazar-Caetanismo, a Guerra de África, o isolacionismo diplomático, a Revolução Abrilina, o internacionalismo diplomático, o Gonçalvismo, o Comunismo, o Esquerdismo, o 25 de Novembro, a Recuperação Capitalista, o Eanismo, o Soarismo no Governo, o Cavaquismo, a CEE, o Soarismo na Presidência, o Guterrismo, o Sampaísmo, o Barrosismo, o excesso de integração europeia, a União Europeia, a falta de Fundos da União, o excesso de Fundos malbaratados, o Santanismo, o Socratismo, o analfabetismo, a iliteracia, o Ensino Oficial, o Ensino Privado, as Universidades Públicas e as Privadas, o baixo número de Diplomados com Cursos Superiores, o excesso de Licenciados mal formados, o excesso de beneficiários da Segurança Social, o elevado número de idosos, o baixo número de jovens, a fraca taxa de natalidade, a subida da esperança média de vida, a fuga fiscal, o endividamento particular, o chico-espertismo do Povo, a falta de categoria, técnica, intelectual e moral, das Elites, o Despesismo do Estado, o Défice Orçamental do dito, etc., etc., etc.

A quê ou a quem mais poderemos assacar culpas, para dormirmos descansados, sempre descrentes e maldizentes, mas sempre, de certo modo, coniventes com todos estes enunciados males, sem pretensão de que os haja aqui arrolado a todos ?

Sem iludir a responsabilidade directa, indeclinável e imprescritível, de quem, entretanto, exerceu e/ou continua a exercer os cargos de mais elevada influência na condução do País, com ou sem legitimidade democrática, quero crer que um dia saberemos responder a estas singelas perguntas.

Quando esse dia chegar, se ele chegar, acreditemos que sim, enquanto se faz mister, teremos – então – iniciado a nossa recuperação, como pessoas, como País e como Povo.

Até lá, que cada um cumpra o seu dever, contribuindo para a ingente tarefa da Regeneração Nacional, outra vez, na nossa História, tornada absolutamente necessária.


AV_Lisboa, 07 de Dezembro de 2005, véspera de Feriado religioso em Portugal, dia da Imaculada Conceição de Maria, condição ou situação extraordinária, que, para os crentes, católicos, configura um milagre erigido em Dogma pelo Papa Pio IX, com a Bula Ineffabilis Deus, de 08 de Dezembro de 1854.

Maria, mãe de Jesus, figura particularmente querida na devoção popular portuguesa, desde quase a fundação do Reino, foi declarada Nossa Senhora da Conceição, Padroeira de Portugal, pelo Rei D. João IV, em 1646, ainda no rescaldo da luta vitoriosa dos Portugueses pela Restauração da Independência da Nação, iniciada em Lisboa, no Terreiro do Paço, com a revolução do 1º de Dezembro do ano de 1640 e terminada com a assinatura do Tratado de Paz com a Espanha em 1668.

Comments:
Ai as saudades do rei e do binómio seus, salazar. Então a referência anterior... é verdadeiramente assustadora.
 
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